
“Sentiu-se um galho seco, espetado no ar. Quebradiço, coberto de cascas velhas. Talvez estivesse com sede, mas não havia água por ali perto. E sobretudo a certeza asfixiante de que se um homem a abraçasse naquele momento sentiria não a doçura macia nos nervos, mas o sumo de limão ardendo sobre eles, o corpo como madeira próxima do fogo, vergada, estalante, seca. Não podia acalentar-se dizendo: isto é apenas uma pausa, a vida depois virá como uma onda de sangue, lavando-me, umedecendo a madeira crestada. Não podia enganar-se porque sabia que também estava vivendo e que aqueles momentos eram o auge de alguma coisa difícil, de uma experiência dolorosa que ela devia agradecer: quase como sentir o tempo fora de si mesma, abstraindo-se.
— Eu notei, você gosta de andar, disse Otávio apanhando um graveto. Aliás você já gostava mesmo antes de casarmos.
— Sim, muito — respondeu.
Poderia dar-lhe um pensamento qualquer e então criaria uma nova relação entre ambos. Isso é o que mais lhe agradava, junto das pessoas. Ela não era obrigada a seguir o passado, e com uma palavra podia inventar um caminho de vida. Se dissesse: estou no terceiro mês de gravidez, pronto! entre ambos viveria alguma coisa. Se bem que Otávio não fosse particularmente estimulante. Com ele a possibilidade, mais próxima era a de ligar-se ao que já acontecera. Mesmo assim, sob o seu olhar ‘me poupe, me poupe’, ela abria a mão de quando em quando e deixava um passarinho subitamente voar. Às vezes, no entanto, talvez pela qualidade do que dizia, nenhuma ponte se criava entre eles e, pelo contrário, nascia um intervalo. ‘Otávio — dizia-lhe ela de repente —, você já pensou que um ponto, um único ponto sem dimensões, é o máximo de solidão? Um ponto não pode contar nem consigo mesmo, foi-não-foi está fora de si.’ Como se ela tivesse jogado uma brasa ao marido, a frase pulava de um lado para outro, escapulia-lhe das mãos até que ele se livrasse dela com outra frase, fria como cinza, cinza para cobrir o intervalo: está chovendo, estou com fome, o dia está belo.
Talvez porque ela não soubesse brincar. Mas ela o amava, àquele seu jeito de apanhar gravetos.
Aspirou o ar morno e claro da tarde, e o que nela pedia água restava tenso e rígido como quem espera de olhos vedados pelo tiro.
A noite veio e ela continuou a respirar no mesmo ritmo estéril. Mas quando a madrugada clareou o quarto docemente, as coisas saíram frescas das sombras, ela sentiu a nova manhã insinuando-se entre os lençóis e abriu os olhos. Sentou-se sobre a cama. Dentro de si era como se não houvesse a morte, como se o amor pudesse fundi-la, como se a eternidade fosse a renovação.”
Trecho do livro “Perto do Coração Selvagem” de Clarice Lispector
